quinta-feira, 3 de abril de 2014

DIAS MUNDIAIS E O MUNDO DIA A DIA

 

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Os “dias mundiais” podem ter servido para fazer uma chamada de atenção, a seu tempo justificada, para analisar, revindicar ou comemorar uma efeméride. Mas há momentos e dias completamente desvalorizados, pois são tantos e todos em cada ano como os de santas e santos no calendário litúrgico. 27 de Março, consignado pelo Instituto Internacional do Teatro (Unesco) em 1961, como certamente, no plano meramente subjectivo há-de ter um outro significado especial: data de aniversário ou morte, casamento ou divórcio, despedimento ou primeiro dia de trabalho, vitória ou derrota do clube de coração, baptismo, conclusão de ciclo de estudos… OU, quiçá, o primeiro dia em que o Senhor Fulano começou a andar de triciclo. Para já não falar do pobre 21 de Março, que sendo o Equinócio da Primavera (agora passou para dia 20) e como tal assinalado, que ajuda mesmo a interpretações antropológicas, é o Dia da Árvore e o Dia do Teatro de Amadores em Portugal, mai-lo Dia da Poesia, ainda precedido, a 19 do mesmo mês, de Dia do Pai, resultando de ser o Dia de São José e do Dia Internacional da Mulher a 8, também Dia de São João de Deus no Calendário Litúrgico Católico. E a coisa repete-se pelo ano fora, que não sei se esta alguma data livre para se comemorar singularmente o Dia Mundial do Nada… Talvez a 29 de Fevereiro ou mesmo 30 do mesmo mês!

Portanto, não sendo “contra” os “dias mundiais” sem mais, sou crítico da sua inflação e banalização, do seu esvaziamento ou total arbitrariedade para a escolha da data de muitos deles, dou-me a pensar nos dias mundiais do não-teatro, nos dias mundiais para as mulheres subalternizadas, nos dias mundiais de trabalhadores sobre-explorados, nos das mundiais de abate de arvores, nos dias de santas e santos profanados em “devoção beata”, nos dia dos velhos descartáveis, nos dia das crianças abandonadas, nos dias de fome para milhões…

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Por isso, se em 27 de Março não for ao teatro e se os grupos e companhias não abrirem as portas à entrada gratuita, mas habituar-se a ir indo ao longo dos demais dia do ano, pagando seu bilhete, tal como ao longo do ano no seu todo, se lembrar da dança, da ópera, do cinema, dos museus, das exposições e de ler um livro, por exemplo, gratifico-me muito mais com isso. Se nunca fizer nenhuma destas coisas ou as guardar só como evento social, suponho que é de uma vacuidade total. Aliás, na minha opinião, tal como as Capitais Europeias da Cultura ou outros eventos isolados na vez de uma continuidade estruturante e estratégica para essa mesma cultura, que dispensa o C maiúsculo em abertura solene de smoking ou de jeans de fashion, mas sempre em ‘socialday’s intelectuallight’.

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Tal como o mafarrico esfrega as mãos de contente ao ver as noivas de Santo António a casarem pelos electrodomésticos e não por qualquer Fé em São Francisco de Assis e da leitura que emprestou ao Cristianismo (de que o actual Papa, proveniente de um outro ramo da família Católica, a Jesuíta), naquele que também é o dia da morte de Fernando Pessoa, também a ignorância e o desprezo pelo teatro demonstrado e reafirmado em tempos de poderes obscuros – hoje com a hidra de um neonazismo sofisticado e filho do alto capital financeiro especulativo – se travestizam no dia de hoje, para o matarem melhor no restante ano: espécie de réplica da coisa da Democracia endeusada, através do voto para legitimar a ausência de democratização económica, social, do conhecimento e, agora até do direito ao trabalho, à saúde e à dignidade humana, que é o que permite a anulação do significado real do voto por pessoas sem noção dos seus direitos e interesses, sem alfabetização cidadã, sem qualquer noção do que e ou não é o voto que fazem ou não fazem.

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Desse “Teatro” é que se dispensa todo-os-dias!...

Castro Guedes

Encenador e Director Artístico de Dogma12

Artigo publicado na revista virtual “In.Comunidades”

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