27 DE MARÇO: DIA DOS
DIAS MUNDIAIS DAS CRISES?
Dia 27 de Março está assinalado
pela Unesco, desde 1962, como o Dia Mundial do Teatro. Isto quando ainda não
havia dias mundiais de tudo e para tudo, tendo às vezes que o mesmo ser de
várias coisas ao mesmo tempo, tal é a inflação deles! Pelo que não vejo razão
para que o Dia Mundial do Teatro não possa ser também o Dia Mundial do Caracol
ou mesmo o Dia Mundial dos Dias Mundiais das Crises.
Fiz há quase uma semana 46 anos
de teatro e faço dentro de menos de um mês 40 de teatro profissional. E não me
recordo de alguma vez não ter ouvido três refrões, muito semelhantes a isto:
que o teatro está em crise; que há uma crise económica; que a cultura não pode
ser agora uma prioridade por causa da crise. Embora fiquemos todos sem saber
por causa de qual das crises é. Mas eu tenho para mim que não é por nenhuma das
agora enunciadas; penso que é mesmo por causa da crise da crise. Por isso,
insisto na ideia, hoje devia ser o Dia dos Dias Mundiais das Crises. Porque uma
sociedade em que a cultura não pode ser uma prioridade por causa da crise
económica, que é permanentemente recorrente, talvez precisasse mesmo era de
mudar de crise dos seus próprios paradigmas, para o que tinha mais a aprender
com a cultura do que com a sua constância de não conseguir sair de crise em
crise. E porque o teatro, também está sempre em crise, talvez, dentro da
cultura, seja o dia mais apropriado para aproveitar para este mesmo o Dia dos
Dias Mundiais das Crises: as crises, afinal, são mundiais e são todos os dias.
Melhor ainda: porque o teatro
pode ter muitas máscaras, parece-me oportuníssimo que seja aproveitado para ser
a 27 de Março que se comemore o Dia dos Dias Mundiais das Crises. Se fosse a 1
de Outubro, por exemplo, não me parecia que se pudesse expor bem o sentido do
Dia dos Dias Mundiais das Crises recorrendo a imagens como Sonata, Scherzo,
Polka, Valsa… Ou se fosse o dia 21 de Março também julgo que não daria nem
serem as crises soneto, rondó, ou quintilha… Ou, alternativamente, palmeira,
plátano ou figueira… Mas com o teatro é diferente: as crises mundiais são uma
comédia para quem ouve as explicações de politólogos e comentaristas de “icunomia” sobre recuperações e confiança;
são um drama para quem suporta as consequências do desemprego, do custo de
vida, da emigração jovem; são uma tragédia para os que caem na miséria e em
sem-abrigo por via delas; são uma tragicomédia para quem percebe o que se passa
mas leva com elas à mesma na cara; e são, acima de tudo, uma farsa para tornar
possível que as crises sirvam para esconder tudo o que são e fingir que são
tudo o que não são.
Imploro, pois, ao deus Mercado, que
ilumine os seus devotos para fazerem do Dia Mundial do Teatro, o Dia dos Dias
Mundiais das Crises com as suas extraordinárias encenações melodramáticas usando
as mil e uma máscaras de Arlequins, Pierrots ou Columbinas, numa Commedia all’Improviso, conforme a coisa
melhor se apreste a seduzir e iludir os públicos.
Dito isto, que caia o Pano. Estou
em crise!
Castro Guedes, Encenador
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