quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A arte no labirinto contemporâneo



CASTRO GUEDES 
06/01/2015 - 05:54
OPINIÃO
Na verdade estamos todos presos num imenso labirinto! Em que também a arte está enredada, quando se propõe assumir um papel de consciência crítica.
Até ao último quarto do século passado, o posicionamento pensante do criador perante o mundo era relativamente dicotómico. Ou se afastava das problemáticas sociais, existenciais e humanas ou as abraçava.
Normalmente, neste caso, identificando-se num "grupo": político, ideológico, ético, estético, religioso. Não de forma necessariamente antinómica, mas, de qualquer forma, antecipando a síntese à equação dialéctica. Isto é: a formulação da tese e da antítese era construída – ou melhor dito, apresentada – de tal forma que a síntese estivesse supostamente já demonstrada como resultado, quando, afinal, era tese.
De tal forma a coisa era que, apesar das intermináveis polémicas, sobretudo à esquerda, a contiguidade entre uma "arte" de propaganda e uma arte de crítica social era tão forte que não é difícil encontrar em criadores teoricamente defensores da segunda exemplificações de grande proximidade ou de mergulho na primeira. É, por exemplo, o caso de vário teatro (1) de Brecht, em que o organon sobre o que o próprio apelidou de teatro épico se lhe escapa em obras como As Espingardas da Mãe Carrar ou Os Dias da Comuna ou mesmo a mais consistente Terror e Miséria no III Reich, que, em nome do historicismo documental, mais são elementos de catequese. Ou mesmo, mais remota e hibridamente, em A MãeSanta Joana dos Matadouros ou A Excepção e a Regra, por exemplo. Para já não falar de simplificações, algo medíocres, como O Que Diz Sim e o Que Diz Não. São obras que nada têm que ver com a complexidade e reflexão em aberto, pré-anúncio do conceito de Rancière de “espectador emancipado”, de uma Mãe CoragemO Círculo de Giz CaucasianoA Boa Alma de Setzuan e outras, tendo como paradigma maior A Vida de Galileu Galilei.
De certa forma neste mesmo autor, mas ainda mais em outros e de estilos diferenciados, como Sartre, Sastre ou Osborne, a abordagem dialógica e/ou de dialéctica irresolúvel fugia dessa zona raiana de dramaturgias, visivelmente "classificável" como de crítica social, apenas excluída daí pela ortodoxia de um “realismo socialista”. Porém, se nem tudo era, nem nunca foi, a preto e branco, pode-se dizer que, se azuis, entre o azul-escuro e o azul-bebé era fácil distinguir. Nada disso é comparável com a complexidade, em todas as áreas, em que se vive hoje, numa mitigação de conceitos e temas e numa contaminação de estéticas e éticas de difícil fronteira. Na verdade, estamos todos presos num imenso labirinto! Em que também a arte está enredada, quando se propõe assumir um papel de consciência crítica, sem ser de propaganda ou de temas marginais, arriscando-se a ser nanominoritária. A inércia do pensamento é transversal: poucos são os que se querem confrontar com a própria realidade em toda a sua dimensão e consequências. A começar pela que hoje é central: a subjectiva implicante da acção objectiva, implicada na (in)consciência colectiva. A responsabilização do outro é uma panaceia para desresponsabilizar o próprio.
Perante tal cenário, se ceder ao ar de época é capitular e perpetuar o padrão, ignorá-lo traz isolamento. Além de que o "agit-prop" contemporâneo é mais um "agir-pop", completamente inconsequente e maioritariamente impregnado da mais ínfima qualidade conceptual e técnica. O próprio conteúdo é formal, além de muito mau é inconsequente, porque nada acrescenta no final ao com que se iniciou a assistir ao objecto artístico. Portanto, forma e conteúdo – mais ainda do que tratados à luz de Lukács, antes em termos absolutamente inéditos e, quando muito, herdeiros de Gramsci ou adivinhados, de forma indirecta, por Benjamin e Fisher – revertem num exorcismo fechado, espécie de psicotrópico ideológico e criatividade nula.
Ainda que uma resposta a uma nova situação se faça por tentativa e erro, parece incontornável começar por assumir o impasse e, percorrendo o labirinto, aceitar que só chegue a 500 ou 300 ou 100 espectadores! É melhor agregar à reflexão despreconceituosa (e até autocrítica não folclórica, mas silenciosa) esses – que a podem amplificar mesmo fora do âmbito da fruição artística ou do "grande gesto" – a obter aplauso entusiasmado de 5000 ou 30.000, que seja, ou 100.000 que fosse, que se "limitam" a "confirmar" as suas posições, perpetuando, por afastamento, a inércia dos demais e os vícios de si mesmos e suas jeremiadas, sem se ter operado transformação nenhuma sobre o conhecimento sequer do próprio.
Singular, a desafiar o impossível, um novo Teseu, para penetrar na Cnossos deste Minotauro, tem de aceitar o labirinto como caminho inevitável. E se não conseguir encontrar a saída, pode repetir com Apolinário: “Mas que me fique ao menos a consciência, de que tentei romper esta muralha”: [https://www.youtube.com/watch?v=HhAGYFIhrO4 ].

1) Exemplifico com teatro tão-só por ser a minha área e, consequentemente, a que me permite argumentar com mais conhecimento de causa. Mas não duvido de que, mais nuance, menos nuance, é aplicável a todas as outras.
Encenador, director artístico de Dogma\12

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