CASTRO GUEDES
06/01/2015 - 05:54
OPINIÃO
Na verdade estamos todos presos num
imenso labirinto! Em que também a arte está enredada, quando se propõe assumir
um papel de consciência crítica.
Até ao último quarto do século passado, o
posicionamento pensante do criador perante o mundo era relativamente
dicotómico. Ou se afastava das problemáticas sociais, existenciais e humanas ou
as abraçava.
Normalmente, neste caso,
identificando-se num "grupo": político, ideológico, ético, estético,
religioso. Não de forma necessariamente antinómica, mas, de qualquer forma,
antecipando a síntese à equação dialéctica. Isto é: a formulação da tese e da
antítese era construída – ou melhor dito, apresentada – de tal forma que a
síntese estivesse supostamente já demonstrada como resultado, quando, afinal,
era tese.
De tal forma a coisa era que, apesar das
intermináveis polémicas, sobretudo à esquerda, a contiguidade entre uma
"arte" de propaganda e uma arte de crítica social era tão forte que
não é difícil encontrar em criadores teoricamente defensores da segunda
exemplificações de grande proximidade ou de mergulho na primeira. É, por
exemplo, o caso de vário teatro (1) de Brecht, em que o organon sobre
o que o próprio apelidou de teatro épico se lhe escapa em obras como As
Espingardas da Mãe Carrar ou Os Dias da Comuna ou
mesmo a mais consistente Terror e Miséria no III Reich, que, em
nome do historicismo documental, mais são elementos de catequese. Ou mesmo,
mais remota e hibridamente, em A Mãe, Santa Joana dos
Matadouros ou A Excepção e a Regra, por exemplo. Para já
não falar de simplificações, algo medíocres, como O Que Diz Sim e o Que
Diz Não. São obras que nada têm que ver com a complexidade e reflexão
em aberto, pré-anúncio do conceito de Rancière de “espectador emancipado”, de
uma Mãe Coragem, O Círculo de Giz Caucasiano, A
Boa Alma de Setzuan e outras, tendo como paradigma maior A
Vida de Galileu Galilei.
De certa forma neste mesmo autor, mas
ainda mais em outros e de estilos diferenciados, como Sartre, Sastre ou
Osborne, a abordagem dialógica e/ou de dialéctica irresolúvel fugia dessa zona
raiana de dramaturgias, visivelmente "classificável" como de
crítica social, apenas excluída daí pela ortodoxia de um “realismo socialista”.
Porém, se nem tudo era, nem nunca foi, a preto e branco, pode-se dizer que, se
azuis, entre o azul-escuro e o azul-bebé era fácil distinguir. Nada disso é
comparável com a complexidade, em todas as áreas, em que se vive hoje, numa
mitigação de conceitos e temas e numa contaminação de estéticas e éticas de
difícil fronteira. Na verdade, estamos todos presos num imenso labirinto! Em
que também a arte está enredada, quando se propõe assumir um papel de
consciência crítica, sem ser de propaganda ou de temas marginais, arriscando-se
a ser nanominoritária. A inércia do pensamento é transversal: poucos são os que
se querem confrontar com a própria realidade em toda a sua dimensão e
consequências. A começar pela que hoje é central: a subjectiva implicante da
acção objectiva, implicada na (in)consciência colectiva. A responsabilização do
outro é uma panaceia para desresponsabilizar o próprio.
Perante tal cenário, se ceder ao ar de
época é capitular e perpetuar o padrão, ignorá-lo traz isolamento. Além de que
o "agit-prop" contemporâneo é mais um "agir-pop",
completamente inconsequente e maioritariamente impregnado da mais ínfima
qualidade conceptual e técnica. O próprio conteúdo é formal, além de muito mau
é inconsequente, porque nada acrescenta no final ao com que se iniciou a
assistir ao objecto artístico. Portanto, forma e conteúdo – mais ainda do que
tratados à luz de Lukács, antes em termos absolutamente inéditos e, quando
muito, herdeiros de Gramsci ou adivinhados, de forma indirecta, por Benjamin e
Fisher – revertem num exorcismo fechado, espécie de psicotrópico ideológico e
criatividade nula.
Ainda que uma resposta a uma nova
situação se faça por tentativa e erro, parece incontornável começar por assumir
o impasse e, percorrendo o labirinto, aceitar que só chegue a 500 ou 300 ou 100
espectadores! É melhor agregar à reflexão despreconceituosa (e até autocrítica
não folclórica, mas silenciosa) esses – que a podem amplificar mesmo fora
do âmbito da fruição artística ou do "grande gesto" – a obter aplauso
entusiasmado de 5000 ou 30.000, que seja, ou 100.000 que fosse, que se
"limitam" a "confirmar" as suas posições, perpetuando, por
afastamento, a inércia dos demais e os vícios de si mesmos e suas jeremiadas,
sem se ter operado transformação nenhuma sobre o conhecimento sequer do
próprio.
Singular, a desafiar o impossível, um
novo Teseu, para penetrar na Cnossos deste Minotauro, tem de aceitar o
labirinto como caminho inevitável. E se não conseguir encontrar a saída, pode
repetir com Apolinário: “Mas que me fique ao menos a consciência, de que tentei
romper esta muralha”: [https://www.youtube.com/watch?v=HhAGYFIhrO4 ].
1) Exemplifico com teatro tão-só por ser a minha área e, consequentemente, a que me permite argumentar com mais conhecimento de causa. Mas não duvido de que, mais nuance, menos nuance, é aplicável a todas as outras.
Encenador, director artístico de
Dogma\12
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