sexta-feira, 17 de outubro de 2014

DOGMA\12 NO PERCURSO DO SEU PRIMEIRO ANO

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(Entrevista ao Quinzenário “As Artes Entre As Letras” no final de Julho)

AL- Castro Guedes, Dogma 12 completou na sexta passada um ano sobre a primeira apresentação pública, com a peça “Três Mulheres em Torno de um Piano”. Que balanço faz? Ficou aquém ou além das expectativas?

CG – Ficou muitíssimo além se considerarmos que sem um cêntimo de apoio oficial, depois da carreira das “Três Mulheres”, conseguimos montar, em co-produção, duas outras obras e tudo estamos a fazer para ter ainda outras duas em cena antes de 2013 terminar! Ficou aquém nalguns outros aspectos a que ainda não conseguimos dar corpo, como uma ligação mais próxima e estruturante com o mundo académico, no sentido da própria investigação, e a criação de um púbico em rede, realmente captado e fixado à margem dos processos meramente propagandísticos de eventos…

AL – Os dois outros espectáculos a que se refere não foram em Lisboa…

CG – Não. Dogma 12 sempre se definiu como algo impermanente em tempo e espaço. No primeiro ano fizemos as “Três Mulheres” em Lisboa e levámos a obra a Viana do Castelo; fizemos em co-produção, com o Vicariato de Felgueiras, “Diálogo de Cegos” de Nuno Higino, onde aliás também fomos parceiros no apoio ao grupo amador Maçã Vermelha; fizemos, em co-produção com a Apuro e o Pinguim Café, “A Vingança de Laertes” de Paulinho Oliveira, no Porto.

AL – Isso parece, em termos de regularidade, bastante permanente!...

CG – Foi, mas não quer dizer que, de repente, por este ou aquele motivo não estejamos parados um ano.

AL - Por causa das tradicionais faltas de apoio estatal?

CG – Não necessariamente. Pode acontecer ser essa a causa, mas não obrigatoriamente. Acho que os financiamentos da administração central decorrem de uma obrigação constitucional, independentemente da ausência de critérios e de transparência com que têm quase sempre decorrido; bem como do interesse do poder autárquico até para atrair quadros dos grandes centros. Mas sem uns e outros temos sido bastante inventivos na procura de alternativas.

AL - Isso pressupõe alguma crítica ao que se chama a “subsidiodependência” de vários grupos?

CG – Sim: à subsidiodependência dos BPN, dos BPI, dos BPP, dos BES, dos BCP… com rombos de milhões de milhões que dariam para pagar a dívida soberana! Investir no Novo Grupo, não é o mesmo. É uma das formas de investir na massa crítica que torna o nosso “atraso” endógeno. Cito-o como exemplo porque representa uma ofensa a todo o teatro português sério e a sério o corte que lhe fizeram às poucas migalhas que recebia!

AL – Mas Dogma 12 não tem sequer migalhas e pelos vistos não pára…

CG – Para já. Numa fase de ulterior desenvolvimento pode esbarrar mesmo aí. Por ora compensa-se à custa de muitos sacrifícios, muita teimosia e a solidariedade activa de gente de craveira artística e intelectual que nada tem a ver com essa gentinha do aparelho de Estado, ignorante e serviçal. Está justamente a decorrer online uma ”oferta pública de doações” a partir de obras de arte para fazermos o “Hotel Bilderberg”. São mais de 30 artistas e de 12 instituições parceiras, além de muitos voluntários pessoais.

AL – Pode revelar o nome de alguns desses artistas e dessas instituições?

CG – Tudo é público e está em http://estudiodogma12.blogspot.pt/ e basta ir lá ver na janela que se chama “A arte pela arte em acto único solidário”, no sentido que das belas-artes veio apoio à arte do teatro, tal como amanhã pode ir do teatro à literatura, da literatura à dança!... Mas posso destacar nomes como os de Júlio Pomar, Armando Alves, José Rodrigues, Armanda Passos, Justino Alves, Siza Vieira, José João Ribeiro… só como exemplo; ou de parcerias com a Sociedade Portuguesa de Autores, o Museu Nacional do Teatro, o projecto Voluntários da Leitura lançado por Isabel Alçada, a Fábrica Social/Fundação José Rodrigues, um Centro de investigação da Universidade Nova de Lisboa…

AL – São pesos pesados…

CG- Há de tudo, o mais importante é o significado solidário desta acção, que esperamos que o público acorra até 25 de Julho em online para fazer as suas doações, que premiaremos com esses objectos de arte…

AL- É um leilão?

CG – Se eu fosse dos Gatos Fedorentos responderia “diz que é uma espécie de leilão”; mas decorre noutra lógica e em modelos diferentes de um leilão. Mas o melhor é consultar mesmo o blog.

AL – E qual é o outro projecto que completa 2013?

CG – Bem, ambos decorrem quase em simultâneo. O “Hotel Bilderberg” estreia a 19 de Outubro na Sala-Estúdio do Teatro da Trindade. O outro a 3 de Outubro no Museu Nacional do Teatro e é uma obra teatral que vai percorrendo o próprio Museu. Chama-se “Labirintos à Vista no Museu do Teatro”.

AL – Para escolas?

CG - Também, mas não só. É uma criação que ultrapassa esse âmbito.

AL – E o “hotel”? Encerra um nome muito significativo. É uma alusão directa ao famoso “Clube de Bilderberg” a que se associam até “teorias da conspiração”?

CG – Eu não partilho de forma linear dessas teorias, embora creia que nesse clube se decide muita coisa que directa ou indirectamente vai incidir sobre muitos milhões de pessoas. Mas a peça não é um libelo acusatório, nem tão pouco tem intriga directamente ligada ao tal clube. Passa-se no hotel onde foi feita a primeira reunião e a sua narrativa traz em si – de forma paralela quase – a ideologia presente no clube e reflectida nas personagens, como emersas nela… Como estamos todos nós no Hemisfério Norte, pelo menos: ou mais ou menos, mas estamos contaminados… De resto é essa a linha em que a peça, e eu como criador estamos neste momento: um teatro da consciência e não de consciencialização. Este pressupõe que do palco se “ensina” ao público o que é o bem e o mal; no teatro da consciência queremos que cada um se reconheça a si mesmo e faça um julgamento ético autónomo e não juízos de valor abstractos um “sistema”, como se pudesse haver “sistema” fora de nós, quanto mais não seja pela resignação silenciosa!

AL- Está a negar o teatro didáctico de Brecht?

CG – O seu teatro dito didáctico, como um teatro social e político, rejeito em absoluto. Mas nem tudo da sua estética e da teorética que criou. Nem da sua, nem de outras influências, como a de Meyerhold ou de Appia, que continuam minhas preferidas; mas de muitas outras, mesmo quando fazem retornar a Aristóteles. Mas isso é assunto que ultrapassa o sentido da entrevista.

AL – E quem são os actores destas aventuras “dogmáticas”?

CG- Para os “Labirintos” fizemos audições: serão 4 intérpretes (actores e actrizes) jovens com formação profissional. Para o “Hotel Bilderberg” teremos o Guilherme Filipe, que muito aprecio e nunca tinha tido oportunidade de dirigir, representando um desafio e uma alegria; a Lúcia Maria, que já dirigi e com quem é um prazer voltar a trabalhar com o tanto que ainda tem para explorar, e que vem gentilmente cedida pelo Teatro Nacional Dona Maria; e por último uma jovem actriz com quem também já trabalhara e que está em crescimento, o que é sempre estimulante, que é a Francisca Lima.

AL – E depois, já há algo previsto para Dogma 12?

CG – Não. Há muitos caminhos e projectos putativos, nada de concreto.

AL- Em Lisboa?

CG – Não só… Mas maioritariamente sim. Apesar de impermanentes também em espaço, até pela natureza do nosso teatro em termos estéticos, apesar de não “unicistas”, Lisboa é inevitavelmente incontornável como local preferencial onde Dogma 12 tenderá a estacionar mais tempo.

AL – Não voltaria, então, a Viana?

CG - Quem? Eu?

AL – Dogma 12…

CG – Sim: a Viana, a Viseu, a Bragança, a Leiria, a Beja, a Sagres, ao Funchal!... Para produzir de raiz uma obra, fazer uma residência ou apresentar simplesmente algo já feito. Ficar algures “preso” não está no “ADN” de Dogma 12.

AL – Então também Lisboa fica excluída pela mesma razão?

CG - Como lugar único, sim. Como lugar para ter uma base, não. Lisboa é uma mistura de terras e gentes, como todas as capitais e, por isso, tem públicos-alvo muito diferenciados. Lisboa nunca é um local fixo: são cidades dentro da cidade. As cidades pequenas constrangem o leque de variabilidade de obra para obra e cristalizariam este modelo, esta “singularidade”, que é dinâmica.

AL – Está a pôr em causa o trabalho na descentralização?

CG – O meu em particular sim: foi tempo demais. O da descentralização em geral não. Nem o do experimentalismo verdadeiro. Como diz a divisa de Dogma 12: “uma singularidade na pluralidade que se deseja”. O limite para essa pluralidade, incluindo um teatro de mero entretinimento, tem a ver e só a ver com a sua qualidade: na forma e na substância. E aí, em todo lado há fronteiras. E há muito bom e muito mau.

AL – E o Porto?

CG – Já fizemos uma co-produção com a Apuro. Outros trabalhos podem surgir.

AL – O que espera para Dogma 12?

CG – Espero - e todos que nele trabalhamos, mais assiduamente ou de passagem - que seja uma boa singularidade. Para fazer mais do mesmo não valeria a pena. Já há quem o faça entre os tais extremos do muito! Se verificarmos que não conseguimos, assim como o projecto veio, assim se retira.

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